quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Merda


Esse texto foi copiado pela Lu do site do Nei Lisboa, o que atesta sua autenticidade e autoria. Mais uma vez, ele foi genial.

Eu havia pensado em escrever sobre isso, mas na correria de final do ano acabei não conseguindo. Agora recebo esse posicionamento que traduz o que eu gostaria de dizer. Por isso, permitam-me, com muita humildade, subscrever Nei Lisboa.

Falei!

MERDA
Nei Lisboa

Então, o Presidente falou “merda” – e nada de mais aconteceu, a República não caiu. Houve, é claro, quem tentasse se escandalizar e quem rosnasse sobre a liturgia do cargo mas, cá entre nós: estes sempre acharam que o Lula fala merda. Se não há novidade, não devem estar chocados. Também nenhum jornal deixou de publicar a palavra por extenso, ao dar a notícia. Só faltou estamparem numa manchete, e pena que não aconteceu.

Merda é muito mais legal que bunda, que já deixou de ser palavrão há muito tempo. Serve pra quase todo instante, que sempre tem alguma acontecendo por aí. Sem falar da que se pisa na calçada, ou daquela pra onde se manda outrem. E serve ainda pra saudar quem sobe ao palco, como se sabe, naquela tradição do teatro. Eu mesmo sou superticioso com isso, não gosto que desejem boa sorte, e sim merda, antes de um show.

Pelo sim, pelo não, a palavra do Lula ilustra bem o momento especial que atravessamos, neste alvorecer dos anos 10 (ainda que a década, de fato, só inicie em 2011).

O Brasil faz sua estréia como ator respeitável e respeitado nos fóruns de decisão mundial – o que justificaria seu uso como voto de sucesso. De outro lado, ao lembrar que o povo brasileiro ainda chafurda na merda, o próprio Lula expôs os limites dessa celebração de um novo e pujante país. Enquanto houver uma enorme fatia da população sem as necessidades básicas atendidas, seguiremos mais afogados do que emergentes.

Mas é o uso da merda como imprecação o mais representativo ainda do passado recente. Nunca antes neste país (e em quase toda América do Sul), as elites se viram tão incomodadas. Verdade que não chega a ser grande mérito do governo Lula. É mais revelador do nada absoluto que os anteriores fizeram, e da intolerância aristocrática de quem não admite perder seus anéis e preconceitos. Nenhum banqueiro está falido, nenhum empresário teve de ir embora do país, nenhum faisão deixou de chegar à mesa da corte. Mas o desconforto desta branca elite é visível todo o tempo, a cada vez que a imprensa amiga sustenta a posição rançosa de rejeitar e desfazer o que do Lula vier.

Assim, basta ligar a TV num noticiário qualquer – eu sugiro a Globonews – para se morrer de rir. O pessoal torce, torce mais que organizada do Flamengo, pra alguma coisa dar errada. Mas como, para além de boas intenções, o Lula nasceu com o fiofó virado pra lua, as notícias têm sido mais do que boas para o governo, mais do que ótimas, até beirando o inacreditável. E os âncoras e comentaristas viram e reviram, tentando apontar uma falhazinha aqui, reclamar de uma taxa de juros ali, mas não tem jeito. Fica a sensação de que, fora do ar, depois de se despedirem com um muxoxo de boa-noite, um olha para o outro e solta aquela frase desconsolada, e inevitável:

– Mas que merda!

Um comentário:

  1. Grande, Bruno. Aproveito o tema e transcrevo a letra da música "merda" do Caetano Veloso. Logo dele, que andou falando merda sobre o Lula recentemente. A canção, diga-se, feita em 1986 foi censurada no programa "Chico & Caetano" e só foi ao ar em uma versão instrumental. (joão tavares)
    Merda
    Caetano Veloso
    Composição: Caetano Veloso
    Nem a loucura do amor
    Da maconha, do pó
    Do tabaco e do álcool
    Vale a loucura do ator
    Quando abre-se em flôr
    Sobre as luzes no palco...

    Bastidores, camarins
    Coxias e cortinas
    São outras tantas pupilas
    Pálpebras e retinas...

    Nem uma dôce oração
    Nem sermão, nem comício
    A direita ou à esquerda
    Fala mais ao coração
    Do que a voz de um colega
    Que sussurra "merda"...

    Noite de estréia, tensão
    Medo, deslumbramento
    Feitiço e magia
    Tudo é uma grande explosão
    Mas parece que não
    Quando é o segundo dia...

    Já se disse não
    Foi uma vez
    Nem três, nem quatro
    Não há gente, como a gente
    Gente de teatro
    Gente que sabe fazer
    A beleza vencer
    Prá além de toda perda...

    Gente que pôde inverter
    Para sempre o sentido
    Da palavra "merda"
    Merda! Merda prá você!
    Desejo
    Merda!
    Merda prá você também
    Diga merda e tudo bem
    Merda toda noite
    E sempre a merda....

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