Há um ano e meio, quando cheguei para trabalhar na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, uma das primeiras pessoas que tenho lembrança de ter conhecido foi Ana Paula Crosara, Diretora de Políticas para as Pessoas com Deficiência. Na verdade não sei se foi uma das primeiras, mas com certeza uma das mais marcantes. Aquela figura de cabelos vermelhos, voz fina e sotaque hiper mineiro que se movimentava de um lado para o outro com muita habilidade na sua cadeira de rodas elétrica era uma pessoa que não tinha como passar despercebida em algum lugar. Até porque se ela não conseguisse acessar qualquer espaço, ela colocava a boca no trombone e todos conheciam Ana Paula. Algumas pessoas diziam que ela era muito chata. Podia ser para quem não a conhecia bem, ou não entendia bem qual a missão dela aqui.
Ana Paula era tetraplégica desde a infância, bem como sua irmã. O que poderia parecer o fim da vida para muitos, para ela era só o início. Ela foi advogada, professora, radialista, militante e gestora nacional de políticas para as pessoas com deficiência. Ao invés de se acomodar com a sua condição, ela resolveu lutar para que a nossa sociedade aprenda a conviver com todas as pessoas, independente da sua condição. Ela deu voz a milhões de brasileiros com alguma deficiência que vivem segregados da sociedade, privados de qualquer convívio social como se a sua deficiência os fizessem seres menos humanos. Não são mesmo!
A independência e a autonomia que a Ana Paula tanto exigia e lutava é o que conhecemos por direito. Um dia estávamos em um evento em Assunção, no Paraguai, que reuniria os ministros de Direitos Humanos dos países do Mercosul. Quando a reunião estava prestes a começar, a Ana Paula não pôde entrar na sala porque havia um degrau e ela não admitia em hipótese alguma ser carregada. Ela me chamou e perguntou se a nossa ministra se importaria com uma reivindicação dela. Quando respondi que não, ela colocou a boca no mundo e a reunião de ministros teve que acontecer em outra sala, plenamente acessível. Depois que aquilo aconteceu, ela olhou pra mim e disse: "hoje me senti poderosa!" E era mesmo. Foi assim em muitas ocasiões. Ela mudou reuniões de lugar, parou o trânsito de Brasília inúmeras vezes e fez até um avião modificar seu lugar de parada para que ela pudesse desembarcar com independência.
Cada ato desses da Ana Paula era um aprendizado para quem estava ao seu redor. Era o grito de milhões que dizia que não se tratava de um ser inferior, mas de alguém com os mesmos direitos de todas as demais pessoas.
Eu aprendi muito com ela, tanto que comecei a perceber os entraves colocados na nossa sociedade para as pessoas com deficiência e não me conformar com isso.
Foi um período de amizade, convivência e muito aprendizado. Na última quinta-feira, 7 de junho, o coração da Ana Paula parou de bater aos 38 anos em decorrência de algumas complicações. Foi muito triste a despedida, mas muito confortante saber que ela continua muito viva por meio das sementes que plantou na consciência de todos que tiveram o privilégio da sua convivência e aprenderam com ela.
Muito obrigado Ana Paula Crosara pelos ensinamentos e por ter me ajudado a ser mais humano! Até algum dia...
Falei!